segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O Mundo Contemporâneo segundo Zygmunt Bauman

Zygmunt Bauman: a pós-modernidade é passagem ou início de uma era?

O sociólogo polonês abriu sua entrevista falando sobre a dificuldade de dizer qual, no século 20, foi a mais importante e mais duradoura herança para as próximas gerações. O que aconteceu no século 20 foi uma passagem de toda uma era da história mundial, ou seja, da sociedade de produção para a sociedade de consumo.Por outro lado, houve os processos de fragmentação da vida humana. “Quando eu era jovem, isto é, séculos atrás, ficamos impressionados com Jean-Paul Sartre, que nos disse que precisávamos criar o projet de la vie, projeto de vida. Temos que selecionar um projeto de vida, temos que prosseguir passo a passo, de forma consistente, ano após ano, chegando cada vez mais próximo desse ideal. Agora,conte isso aos jovens de hoje e eles rirão de você”, enfatizou Bauman. Para ele, o projeto de vida hoje, de uma vida inteira, é algo difícil de acreditar. A vida dividida em episódios. Não era assim no início do século 20.As sociedades foram individualizadas. Em vez de se pensar em termos de a qual comunidade se pertence, a qual nação se pertence, a qual movimento político se pertence etc., tendemos a redefinir o significado de vida, o propósito de vida, a felicidade na vida para o que está acontecendo com uma própria pessoa, as questões de identidade, que têm um papel importante hoje no mundo. “Você tem que criar a sua própria identidade. Você não a herda. Você não apenas precisa fazer isso a partir do zero, mas tem que passar sua vida, de fato, redefinindo sua identidade”, explicou o professor.

O fim da pós-modernidade?
Houve no século 20 muitas mudanças, não apenas a passagem do totalitarismo para a democracia, mas muitas outras coisas. No final do século 20, houve a passagem do Estado social para o Estado neoliberal, em que cada indivíduo tem que encontrar soluções individuais para problemas produzidos socialmente. “Isso vai durar ou não? Vamos voltar ao hábito de pensar em termos de toda a sociedade, o nosso país,Brasil, a comunidade à qual pertencemos, o nosso bairro, a nossa cidade? Essa é uma grande pergunta. É muito difícil dizer se o neoliberalismo é apenas um fenômeno ou se é o início de uma era”, perguntou o sociólogo. A mesma pergunta Bauman formula em relação à pós-modernidade, tendo grandes dificuldades para dizer se foi o início de uma nova forma de vida, que vai durar séculos, ou se é um período de transição,de um tipo de ordem social para outro tipo de ordem social. “Quando você está num processo de transição, fica muito difícil imaginar outro tipo de solução estável, um acordo de convivência humana. Mas isso vem mais cedo ou mais tarde. E até mesmo essa pergunta não dá para responder”, disse o entrevistado.

A interdependência e o problema ecológico
Para Bauman, duas questões seriam irreversíveis. Teríamos multiplicado, nós, a humanidade no planeta, as conexões, as relações, as interdependências, as comunicações, espalhadas em todo o mundo. Estamos agora numa posição em que todos nós dependemos uns dos outros. “O que ocorre na Malásia, quer você saiba ou não, sinta ou não, tem uma tremenda importância nas perspectivas de vida dosjovens em São Paulo. E vice-versa. Essa é a primeira vez na história em que o mundo é realmente um único país, em certo sentido”, explicou o sociólogo. Isso coloca na agenda o problema, não de construir um Estado-nação, não de construir uma comunidade local de qualquer tipo, mas de construir uma comunidade da humanidade.
A segunda questão é que, aproximadamente após 300 anos de história moderna, nossos antepassados decidiram assumir a natureza sob a gestão humana na esperança de que eles fariam com que a natureza obedecesse absolutamente às necessidades humanas e teriam pleno controle do que acontecesse no mundo. Agora, isso acabou, porque, no resultado dos nossos próprios sucessos, as nossas respostas para os nossos
sucessos, o desenvolvimento da tecnologia moderna, a eficiência, ou a nossa capacidade de produzir cada vez mais, alcançar todos os tipos de recursos naturais do planeta, no resultado de todo esse sucesso da ciência e da sociologia, chegamos muito perto dos limites da suportabilidade do planeta.

O Estado e o poder
O poder teria evaporado do nível do Estado-nação para o que Manuel Castells, sociólogo espanhol, chama de “espaço de fluxos”. De fluxos significa que há movimentação ilimitada de capitais, de planos de investimentos, de commodities, de informações, de terrorismo, de comércio de armamentos, e também decriminalidade etc. Então, o poder, a capacidade de fazer coisas, frequentemente fica fora do alcance da política local. E por política local não se faz referência apenas à política municipal, pois a política do Estado, agora, nestes tempos de globalização, é uma política local. Ele não pode impedi-los, não pode controlá-los, não pode forçá-los a se comportarem apropriadamente, porque a política até agora continua local. Existe a política brasileira, a política chilena, a política argentina, a política francesa etc. Às vezes, há alguns começos de política europeia, mas muito pouco. Normalmente, ela é dividida em francesa, alemã, italiana etc. Nem mesmo é internacional, é intergovernamental, interministerial. Porém, realmente global, que seja vinculantepara todo o globo, isso não existe.

A democracia
O Estado não tem poder suficiente para manter todas as promessas que os Estados, 50 anos atrás, fizeram aos cidadãos. E essa foi a “era de ouro” da democracia. Nos 30 anos do pós-guerra, ocorreu uma proliferação e florescimento da democracia ideal. Agora, a democracia está em decadência. Cada vez menos pessoas estão realmente convencidas de que seja uma coisa boa. E têm dúvidas a respeito da qualidade da democracia. Isso porque o Estado relativamente sem poder consegue oferecer cada vez menos aos cidadãos. Ulrich Beck, um escritor bastante influente e sociólogo alemão, aponta que, na sociedade contemporânea, espera-se que os indivíduos encontrem individualmente, usando inteligência individual e recursos individuais, soluções individuais para problemas comuns e produzidos socialmente. “E, se esse for
o caso, por que eu deveria me preocupar com os governos, por que eu deveria me preocupar com as eleições, por que eu deveria me preocupar com as democracias adequadas? Realmente, não há motivo. Esse é o perigo”, alertou Bauman.

Indivíduo
Para o sociólogo, a maior aproximação contemporânea da Ágora, do lugar onde a democracia foi feita e protegida, são os talk shows televisivos. “É onde as massas assistem, participam, telefonam, enviam perguntas, mensagens etc. Algo semelhante ao que se fazia na antiga Ágora. Ao olharmos para isso, vemos que eles não estão discutindo os nossos interesses compartilhados, não estão discutindo o bem-estar da sociedade, eles não estão discutindo sobre o que precisa ser feito para abolir e reparar os problemas que todos nós sofremos na sociedade atual. Eles apenas confessam, em última análise, os problemas privados individuais e bastante íntimos”, disse o polonês. Ele lembrou que para Alain Ehrenberg, sociólogo francês, a revolução pós-moderna começou numa quarta-feira à noite, num outono da década de 1980, quando uma certa Vivienne, uma mulher comum, na presença de 6 milhões de telespectadores, declarou nunca ter tido um orgasmo durante seu casamento, porque seu marido, Michel, sofria de ejaculação precoce. Repentinamente, na Ágora, as pessoas começaram a confessar coisas que eram a personificação da privacidade, a personificação da intimidade. “Então, a Ágora foi conquistada, não pelos regimes totalitários, mas exatamente pela privacidade, por coisas que anteriormente eram privadas”, insistiu Bauman.

Redes e laços sociais
Ele encerrou sua entrevista abordando as diferenças entre redes e laços sociais, e a tensão entre liberdade e segurança: para alcançar uma tendemos a abrir mão da outra. Ele lembrou que, quando jovem, não tinha o conceito de “redes” e sim de laços humanos, de comunidades. A comunidade precede o indivíduo e é difícil entrar e sair dela, diferente da rede. A rede é feita e mantida viva por duas atividades diferentes. Uma é conectar e a outra é desconectar. “E eu acho que a atratividade do novo tipo de amizade, o tipo de amizade do Facebook, como eu a chamo, está exatamente aí: que é tão fácil de desconectar”, disse o pensador.

Sonia Montaño para Unimed Porto Alegre.